ano 01 - nº 02

Cultura

ENTRE A TERRA E O CÉU

Negros cultuam orixás em assentamento agrícola

Experiência de 13 anos em Araras garante a manutenção da tradição quilombola

Henrique Andrielli

    

A família de Élvio pratica a agricultura familiar e mantém a tradição do Candomblé em Araras

    A Sociedade Religiosa Ylê Axé de Yansã, instalada em Arar as desde 1995, se distingue de outras comunidades de candomblé por ser a única que se encontra instalada em assentamento agrícola. O Sítio Quilombo Anastácia ocupa um dos lotes do Assentamento Rural Araras III e convive em harmonia com dezenas de famílias, em sua grande maioria de religiões evangélicas e pentescostais. No lote número 1, seus membros praticam a agricultura familiar e mantêm a tradição da cultura e religião africana, herdada de seus antepassados, os Nagô-voduns.

    Liderado pela Yalorixá (Mãe de Santo) Rosa de Oyaciy e pelo professor de História Élvio Aparecido Motta, o Ylê agrupa cerca de 200 pessoas de todas as idades, representantes de três gerações diferentes de famílias do candomblé. O sítio abriga um número variável de pessoas. “Estamos sempre prontos para acolher os filhos que estão em dificuldades. Não é difícil chegar e encontrar várias crianças no Ylê. Quando os pais precisam viajar ou não podem ficar com elas, oferecemos abrigo”, explicou a yalorixá. As famílias vivem, na verdade, nos vários bairros de Araras e em outros municípios da região, mas se reúnem no Ylê para cultuar seus antepassados e manter a tradição cultural e religiosa trazida pelos escravos africanos.

    Élvio, chamado de Ojari (título de respeito no candomblé), lembra que a ocupação da área ocorreu em 1995. “Chegamos aqui às 0h33 do dia 24 de julho”, revela. O horto pertencente à Fepasa – Ferrovia Paulista S.A. – foi ocupado originalmente por 150 famílias. “Sabíamos que 55% do patrimônio dos hortos de Araras era de terras devolutas [terras públicas] e tínhamos conhecimento do interesse de privatização da rede  ferroviária estadual. Ocupamos este horto e foi desencadeada uma estratégia de ocupação de outros hortos. Esta era uma tática do próprio movimento social de luta pela terra para tentar ocupar a maior quantidade de terras devolutas e tínhamos a intenção de tentar manter como patrimônio público ou de destinar parte deste patrimônio para fins de reforma agrária. Depois de Araras foram ocupadas áreas em Mogi Mirim, Cordeirópolis e Camacuã”, explicou.

    Após três anos de acampamento, o assentamento foi regularizado em 1998, com 46 famílias das 150 originais. O limite de assentamento agrário estipulado pelo Estado permitia a regularização 23 famílias naquela área. “Propusemos então que todas as famílias remanescentes fossem assentadas, mesmo que fosse necessário diminuir a área dos lotes pela metade”, explicou. Nos Assentamentos Araras I e Araras II os módulos têm 14 e 16 hectares. No Araras III cada módulo tem seis hectares de área. Quarenta famílias ainda permanecem no Araras III. Seis delas já venderam suas benfeitorias para outras famílias cadastradas pela Fundação Itesp – Instituto de Terras do Estado de São Paulo.

    Sobre a viabilidade de uma política pública de reforma agrária, Élvio desacredita da iniciativa governamental: “O que existe no Brasil é uma política de assentar famílias, fruto de ocupações. O governo não toma a iniciativa. Isso só ocorreu para retirar indígenas de uma região que despertava interesse econômico e levá-los para outro local, para garantir fronteiras, sempre em função do interesse das elites e não das minorias. Nosso interesse é garantido somente através das ocupações.”

Religião e terra

    A instalação da comunidade de Candomblé ocorreu de forma simultânea com a ocupação da terra. “O desenvolvimento social, econômico e cultural do ser humano para nós está intrínseco com a questão da religião. É uma coisa que a gente não consegue separar, uma filosofia de vida”, argumenta. Antes mesmo de construir a moradia da família, foi erguida a Casa de Yansã, mãe e protetora da comunidade. Depois foi feita a moradia e em seguida o barracão onde são feitos os trabalhos comunitários. “Esta é a única comunidade de terreiro dentro de um assentamento rural politicamente estabelecido. Queiram ou não, somos uma referência a comunidades assentadas de quilombolas no Estado de São Paulo. A Oyaciy tem trânsito entre estas comunidades devido às ações do Ylê. Defendemos que estar na terra hoje é a possibilidade de conquistar um território que outrora nos foi usurpado pelo tráfico de escravos, pelo processo de ocupação e colonização da América e da África pelos europeus. Mais que uma resistência, é uma forma de lutarmos contra a discriminação. Não existe outra forma de reaver o território, se não for através de uma política de reforma agrária”, defende.

    As famílias assentadas no Araras III são em sua maioria de religiões evangélicas e pentecostais. Mas isso não gera conflitos com a comunidade de candomblé. “Conviver é preciso. Temos estabelecido uma trajetória de vida bastante transparente. O respeito que temos hoje, mesmo de pessoas não adeptas à nossa religião, se dá por dois fatores: nossa tolerância, porque nós aprendemos a ser tolerantes até mais que eles, e também porque fizemos muito por este assentamento”, avalia. Os representantes do Ylê lideraram o assentamento desde 1995 e em 2003 assumiram a presidência da Associação dos Agricultores Familiares dos Assentamentos Rurais de Araras - Terra Boa, permanecendo no cargo até 2006. “Não sei se as pessoas realmente nos respeitam e reconhecem esta nossa luta ou se elas nos engolem. Pelo menos na nossa frente, todo muito faz questão de sorrir. Percebemos que incomodamos, mas nunca sofremos nenhum tipo de represália em nossas manifestações religiosas”, concluiu.

 

Projetos buscam sustentabilidade sem perda de identidade

No viveiro serão cultivadas plantas medicinais e ligadas aos rituais do Candomblé

    Os projetos do Ylê Axé de Yansã no Sítio Quilombo Anastácia são a implantação de oficina de costura, infocentro, escola de percussão e a produção de mudas nativas e de plantas medicinais e religiosas segundo o Candomblé. Para viabilizar todos eles, os dirigentes buscam parceria com o Poder Público, seja através do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) ou da Secretaria Municipal da assistência Social. Além disso, desenvolve agricultura familiar de subsistência e também voltada para o comércio, em pequena escala, garantido pelo programa Venda Direta, do Governo Federal

    O Ylê tem três máquinas de costura e pleiteia junto ao MDA outras sete para a implantação da oficina de costura que pretende envolver 25 mulheres, 13 delas diretamente. “O objetivo é gerar renda, resgatar a ancestralidade, valorizar a liderança feminina e produzir roupas étnicas de forma artesanal para um público específico”, explica Élvio. O projeto criaria uma grife étnica, voltada para afrodescententes. São duas as vantagens diretas defendidas por ele. A sustentabilidade econômica na produção de roupas que a comunidade utiliza em seus rituais e no dia-a-dia e a adoção de uma maneira de vestir condizente com a preservação da cultura e tradição. “Este é o nosso grande projeto porque não é só étnico e cultural. É acima de tudo, econômico. Para enfrentar o sistema capitalista não tem outro jeito, precisamos pensar economicamente”, justificou.     

    Trabalhar a informática de forma cultural, proporcionando às crianças e jovens a oportunidade de acesso ao mundo digital de forma objetiva. Esta é a meta para a instalação de um infocentro na comunidade. O espaço físico, assim como no caso da oficina de costura já existe. O projeto prevê a instalação de oito computadores e periféricos. “Queremos colocar a criança em contato com atividades objetivas, diferente de transformar a sala em uma lan house sem controle. Esse negócio de querer inserir a criança na modernidade e deixar ela à vontade para navegar nesse mar de tecnologia, corre o risco dela chegar em águas profundas e até morrer afogada”, analisou.    

    Nos rituais e cultos do candomblé, as crianças manifestam desde cedo seu interesse pelos toques e musicalidade da religião. Élvio conta que são muitas as crianças que ficam em volta do coro e que já conseguem assimilar e executar alguns toques. Pó isso, pretendem aproveitar os ogans (mestres de toque ritual) para desenvolver uma escola de percussão no Ylê, oferecendo, além de formação musical e enriquecimento cultural, a manutenção de tocadores para as cerimônias da comunidade.    

    Outra atividade que tem muito a ver com o dia-a-dia do Ylê é a produção de plantas medicinais e de propriedades religiosas. Por isso está em desenvolvimento um viveiro de plantas nativas capaz de produzir até 15 mil mudas. Além de abastecer as atividades ritualísticas do Ylê e de outras comunidades de candomblé, pretende-se vender mudas para projetos de reflorestamento e reposição de matas ciliares, principalmente através de Organizações Não-Governamentais e de órgãos do Poder Público. “Com esta iniciativa, também pretendemos alcançar a sustentabilidade comunitária sem perder nossa identidade. Estaremos difundindo um pouco da nossa cultura, contribuindo com a preservação da natureza”, concluiu.    

    Segundo Élvio, a produção de plantas medicinais e religiosas já rende recursos financeiros para a comunidae. A yalorixá faz a manipulação das plantas que são comercializadas na forma de chás, pomadas e emulsões. (Henrique Andrielli)

 

 

Projeto governamental garante aquisição da produção agrícola

    No início de abril a Associação dos Agricultores Familiares dos Assentamentos Rurais de Araras - Terra Boa (que reúne as famílias dos Assentamentos Rurais Araras I, II, III e IV) firmou termo de convênio com a Prefeitura de Araras e o Ministério do Desenvolvimento Social para ingressar no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), uma das ações governamentais do programa Fome Zero, na modalidade Compra Direta de Agricultura Familiar.  O projeto, elaborado pelos técnicos do Itesp garante o repasse de R$ 3,5 mil por ano para cada família cadastrada, mediante a entrega de mercadorias produzidas nos assentamentos.

    A previsão é de que a Prefeitura adquira anualmente cerca de 300 toneladas de alimentos que serão repassados para entidades sociais cadastradas na Secretaria de Assistência Social, podendo ainda utilizar os produtos na merenda escolar. Um calendário de entrega e o planejamento da produção foram feitos pelos agricultores em conjunto com os agrônomos do Itesp. A lista é composta por 45 produtos diferentes, entre frutas, legumes, hortaliças, cereais, ovos e mel. A entrega será centralizada no Centro Comunitário do Assentamento Araras III. A distribuição e transporte das mercadorias correm por conta do município.

Programa Compra Direta beneficia famílias assentadas com aquisição de produtos pela Prefeitura de Araras

    Além dos valores aprovados pelo projeto original, representantes do Terra Boa negociam com vereadores e técnicos da Prefeitura e do Itesp o aumento do repasse através de recursos municipais. Desta forma, teriam incentivo para o aumento da produção com garantias antecipadas de compra.

    No ato da assinatura do convênio, a Associação Terra Boa recebeu a doação, através do Ministério do Desenvolvimento Agrário, de um trator e outros implementos necessários para o gradeamento e preparação da terra. Os equipamentos serão utilizados de forma cooperativa, em esquema de revezamento, pelos membros dos assentamentos, minimizando custos anteriores com a locação de máquinas agrícolas e barateando a produção. Uma taxa simbólica será cobrada de cada agricultor, destinando o recurso para um Fundo de Manutenção e Custeio. Caso haja superávit neste fundo, os recursos serão usados na aquisição de novos equipamentos agrícolas.

    No Sítio Quilombo Anastácia, mais de 50% da área já foi arada e gradeada para o plantio de mandioca de mesa e batata-doce. Em seis meses, a família de Élvio Motta deverá entregar a produção para o projeto de Compra Direta. Logo em seguida a área deverá ser utilizada para o plantio de feijão. (Henrique Andrielli)

 

 

Projeto incentiva leitura e preserva o meio ambiente

O objetivo é propor a troca de lixo reciclável por livros

 

Daniel Marcolino
 

    O projeto ‘Recicle suas Idéias’, de Rio Claro, ganha mais adeptos todos os dias e a comunidade têm a oportunidade adquirir obras literárias e didáticas ao preço simbólico de entrega de matérias recicláveis. Os critérios de troca de lixo reciclável por livro são

Trocar materiais recicláveis por livros vem dando certo na cidade de Rio Claro

simples. Qualquer quantidade de material entregue na feira quinzenal ou na sede da Cooperativa de Trabalho dos Catadores de Material Reaproveitável de Rio Claro, ‘Cooperviva’, que realiza o evento, poderá obter um título de sua livre escolha.

    O diretor de resíduos sólidos da Prefeitura, o engenheiro Luiz Antonio Seraphim, informa que a intenção dos organizadores é continuar com o projeto por tempo indeterminado. Inclusive já se cogita a possibilidade de abrir a feira de livros aos sábados, dia em que a população terá mais condição de participar. “A resposta ao programa tem sido extremamente positiva e tem recebido elogios de ambientalistas e acadêmicos em geral”, afirma.

O programa conta com o apóio do Rotaract, Brascabos e da Secretaria Municipal de Planejamento, Desenvolvimento e Meio Ambiente (Sepladema). A intenção é fazer com que a comunidade se conscientize em relação à necessidade de reutilização do lixo produzido. Além disso, o programa também visa incentivar a leitura, principalmente entre as crianças em idade escolar.

O projeto atrai interesse de pessoas de várias idades

 A cooperativa que organiza o projeto recebeu uma quantidade massiva de livros para reciclagem, o que fomentou a idéia de aproveitá-los de uma forma ainda mais positiva e enriquecedora. O município produz mensalmente cerca de 3.500 mil toneladas de lixo. Estima-se que 800 toneladas deste total sejam de lixo reciclável. “A população tem um papel fundamental na diminuição da poluição ambiental. Sem a atuação coletiva, a manutenção e a longevidade dos sistemas públicos de coleta ficam comprometidas”, ressalta Seraphim.

    A expectativa dos organizadores é de que o projeto torne-se exemplo para as cidades da região e para o Brasil, já que trata de uma questão relevante nos nossos dias: o desenvolvimento sustentável. A Coperviva funciona no Espaço Livre da Vila Martins, entre a Rua 3 A, 1748 esquina com a avenida 42 A.

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